sexta-feira, 9 de abril de 2010

série sem nome

2º Capítulo
Tentei tomar o café puro, mas acho tão ruim... Café sem açúcar sempre foi algo intragável para mim. Além do mais, para que eu estava procurando mais amargura? Já não bastava o que tinha me acontecido?
Então procurei e achei o açucareiro. Vazio. Ótimo! Fui olhar a despensa. Vazia. Que droga, Bola! Quando eu não tinha para quem reclamar, reclamava para o meu gato.
Já estava me conformando a tomar o café puro, num gole só, quando me ocorreu que aquela era uma boa hora para conhecer um vizinho bonitão, com aquela velha e boa desculpa do empréstimo de uma xícara de açúcar. Mas então me lembrei que, no meu andar, não existia nenhum vizinho bonitão. Para vocês saberem: em frente ao meu apartamento mora a Dona Zuleica. A Dona Zuleica é uma senhora viúva, simpática, de uns setenta anos, que tem um poodle toy branco igualmente idoso, chamado Freeman. Sim, o cão se chama Freeman. Dona Zuleica gosta de Sílvio Santos, de fazer bolo de fubá para os vizinhos e de conversar sobre amenidades e fofocas de celebridades. Ela compra a Contigo toda a semana. Ao lado da Dona Zuleica, mora o José Carlos, o Zé, um cara de uns quarenta anos, com quem eu não tenho muito contato. Mas eu sei, por exemplo, que ele é separado, trabalha no Banco do Brasil e costuma passar os finais de semana com o pestinha do Mathias, seu único filho, que deve ter uns dez anos de idade. O Zé é aquele típico cara que não chama atenção nenhuma aonde quer que vá. É um cara normal. E no apartamento ao lado do meu, mora um casal jovem e meio estranho. A Maria Regina e o Maurício. Os dois trabalham juntos, vendendo produtos da Herbalife. Ambos mantêm distância de gatos, acordam e dormem cedo todos os dias, cantam no coral da igreja, não bebem, nem fumam e praticam corrida três vezes por semana. Segundo a Maria Regina, estes são hábitos saudáveis que eu deveria seguir também.

Meaaou! Bola arranhava a minha perna pedindo seu café da manhã. Claro, monsenhor. A especialidade de hoje é: ração. Servi a tigelinha do Bola com ração sabor atum. Ele me olhou, meio indignado. Já está na hora de trocar o sabor da ração, pensei. Anotei na minha listas de compras que estava pendurada na geladeira: açúcar e ração de gato, sabor galinha. Resolvi completar a lista com outras coisas que precisava: emagrecer, comprar um ar condicionado, pagar a Renner, me sentir bonita de novo, visitar a minha mãe e, ah sim, superar o fim do meu longo relacionamento com o cretino do Roberto. O Beto... aahh. Sem choro, sem choro eu me repeti, mentalmente.
Olhei para o relógio. Já tinha passado das oito. Engoli o café puro e saí a passos largos em direção ao quarto. Desenrolei a toalha da cabeça, penteei e depois sacudi o cabelo, num estilo meio headbanger, pra soltar os fios. Odeio sair com o cabelo molhado, mas hoje não vai ter jeito. Sem inspiração nenhuma para vestimentas, enfiei uma calça jeans, uma sapatilha e uma camiseta branca. Peguei minha bolsa e saí às pressas, chutando o Bola pela segunda vez em menos de uma hora. Lá foi ele se esconder atrás do sofá. Que mania os gatos tem de ficar nos nossos pés!